TODAS ESSAS HISTÓRIAS SÃO REAIS

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segunda-feira, 5 de março de 2007

Cavalos e seres anódinos

>>Ele era gerente da Armani e me recebeu como tal. Era tão inexpressivo com aquela polo listrada, propositalmente ajustada ao bíceps que pareceu que ia me levar até um escritório e não a uma sala de estar. Seria uma tarefa árdua, então. Ia ter que falar demais para que não acontecesse momentos de silêncio constrangedores, ja que saquei que, daquele ali, nada sairia.

O que se espera de um gerente da Armani? Quando ele me revelou a profissão eu tive uma verdadeira surpresa e procurei nele quais critérios encontraram para que gerenciasse uma casa tão sofisticada. Talvez justamente a aparência bonita e seu jeito anódino que confudia-se com discrição. O seu apartamento de quarenta metros quadrados era de um mau gosto impressionante. Como alguém ainda hoje coloca um vaso vazio no meio do nada e reveste de madeira, todas as suas poucas paredes, e de espelhos, todas as suas portas? Eu me lembrei de quando passiei a primeira e unica vez de veleiro no nordeste. E as esculturas de cavalos em madeira que ornamentavam a cabeceira de sua cama, me lembravam um escritório de jóquei.

Aquele homem era lindo, e de braços cruzados sentado na cama, entretia-se entre a minissérie da tv e minha tagarelisse sem pausas. Eu via que ele prestava atenção nas coisas que eu falava, e como o vi solitário, entendi que o que lhe interessou mais em mim foi justamente a capacidade de falar sobre quase tudo e nao a minha aparência. Comecei falando de internet, sobre o que é virtual, inveredei por paisagismo e arquitetura, já que ele me disse que se interessava por plantas e projetos arquitetônicos. Me referi aos cavalos de madeira e elogiei a decoração, dizendo que ele conseguiu algo quase impossível com muito bom gosto: misturar, num ambiente só, motivos náuticos com motivos equestres. Uma mentira deslavada! E fiquei espantado com minha capacidade de mentir. Eu sou impressionante mentindo. Até a mim mesmo, eu convenço. Por um breve instante, me vi realmente achando o ambiente agradável.

Minha boca estava seca e então lhe pedi uma água. Ele foi até a cozinha minúscula e me trouxe um copo. Sentou mais perto de mim desta vez e então se espreguiçou deitando na cama. Isso pareceu, diante de tanta tensão sexual, convenhamos, um sinal verde. Aí criei uma coragem repetina e fui até ele. Qdo encostei meus lábios no dele senti um hálido insosso dizendo-me um “acho melhor não”. Então eu revidei e ele fitou meu volume na calça. Eu já estava cansado demais. Tinha passado as últimas duas horas ali num monólogo exaustivo e desgraçado. Queria ir embora, mas a sacada dele no meu pau me deu a ousadia de tentar mais uma vez. Me veio outro “acho melhor não”. Então, desisti e ele me vendo assim já com um nem aí nos ombros, me pediu desculpas. Não se pede desculpas por isso, ensinei-lhe. É de muito mau gosto, pedir desculpas por rejeitar alguém, continuei. Estávamos aqui tentando. Qualquer foda começa numa tentativa, eu continuava a lhe falar, já pronto para abandonar o barco de motivos equestres. E quando ele insistiu mais ainda nas desculpas se tornou ainda mais patético e apático, um ser sem vida, sem expressão, quase triste, forte porém lento, com seus passos de chinelos Armani, de um ser envelhecido, ao me acompanhar à porta.

Voltei para casa a pé. Cansado e feliz por ter acabado. Minha garganta ardia um pouco e minha auto-estima estava mais forte do que nunca. Há efeitos dolorosos ao ser rejeitados por homens bonitos, pensei. Porém quando se tem a capacidade de entender que beleza faz parte de um conjunto de coisas, uma conexão perfeita entre físico, expressão e idéias, a rejeição causada por um esteta de muito mau gosto torna-se pequena e frágil. Sendo aniquilada rapidamente pela percepção de outro tipo de estética, à que está a sua volta, a que define seu espaço físico e que indica, mesmo que não haja diálogo, o que o outro realmente é. Assim como cavalos de madeira não fazem sentido para alguém que nunca fez polo-equestre, pessoas anódinas não fazem sentido algum a pessoas que são extremamente apaixonadas por expressividade e inteligência.

4 comentários:

Monique Cabral disse...

Gatooo,
Amei seu texto... excelente para se falar na valorização da estética! Amei! Amei mesmo!
Impossível uma pessoa que tenha as portas da casa cobertas por espelho ser interessante por completo... =P
No dia em que eu for editora da Vogue (sonhooo), você vai ser meu colunista especial p/ falar sobre comportamento!!!
Gostei muito dessa parte:
"Porém quando se tem a capacidade de entender que beleza faz parte de um conjunto de coisas, uma conexão perfeita entre físico, expressão e idéias, a rejeição causada por um esteta de muito mau gosto torna-se pequena e frágil".

PS: Vou virar leitora assídua! hehhehe
Xerooooooo

RECIEN LLEGADA disse...

me encanta,me encanta,me encanta

Thiago Lasco disse...

cara, vc tá de parabéns mesmo. tá muito bom o seu blog. esse seu post sobre beleza relativa me fez traçar vários paralelos com a minha vida... situações em que eu investi na beleza física do outro e me arrependi amargamente, porque o cara tinha um corpo escultural e a pior cabecinha possível... vivendo e aprendendo.

Unknown disse...

ADOREI SEU TEXTO! CONHECI SEU BLOG HJ(15/04) e estou devorando!
abraço